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Reportagem | Um esquerda que não se entende

Uma esquerda que não se entende
Com pouca representação, partidos joinvilenses alinhados a causas progressistas optam por não fazer frente ampla e lançam candidaturas próprias para as eleições municipais de 2020
Por Kevin Eduardo
Após 13 anos governando o país, o Partido dos Trabalhadores (PT) perdeu força devido aos escândalos de corrupção envolvendo a sigla, seguido da queda da ex-presidenta Dilma Rousseff, que sofreu um processo de impeachment em 2016. Toda essa conjuntura, além de manchar a imagem da esquerda no país, permitiu a ascensão de partidos mais à direita nos anos seguintes, e levou à eleição do então deputado de extrema direita Jair Bolsonaro em 2018 — na época do Partido Social Liberal (PSL) e hoje sem partido.

Passado dois anos das eleições de 2018, a imagem da esquerda segue um pouco difamada e pode não agradar tanto o eleitorado de Joinville para o pleito municipal. Tradicionalmente, a cidade sempre elegeu candidatos mais à direita para o Executivo. Com exceção de 2008, ano em que os joinvilenses elegeram Carlito Merss, do PT, como prefeito. Merss ficou até 2012 e não foi reeleito. 

Neste ano, os partidos de esquerda que concorrem para a prefeitura de Joinville são o PT, o Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), o Partido Democrático Trabalhista (PDT) e o Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado (PSTU). Houve tentativa de aliança, mas as divergências políticas falaram mais alto. 

Já se tornou clichê dizer que o país vive uma polarização política, mas entender essa conjuntura não é simples. Por isso, nesse meio polarizado, é preciso relembrar o que é ser de esquerda e de direita.

Com o objetivo de explicar as diretrizes racionais do pensamento de direita e esquerda, o filósofo italiano Norberto Bobbio publicou, em 1994, o livro “Direita e esquerda: razões e significados de uma distinção política”. Para o autor, esses dois espectros políticos divergem no conceito de igualdade. Para a esquerda, a igualdade e inclusão são regras, sendo a desigualdade entre as pessoas uma exceção. Já para a direita, a desigualdade é a regra e a igualdade precisa de justificação. A esquerda, por vezes, defende uma sociedade mais igualitária entre as pessoas. A direita, uma sociedade mais meritocrata, ou seja, o indivíduo é responsável pelo próprio mérito. 

Por mais que as eleições de 2018 representaram uma mudança extrema no cenário político brasileiro, o cientista político Jacques Mick aponta que as eleições municipais e federais são cenários completamente diferentes, e que a eleição do Bolsonaro, em 2018, não significa que a maioria do eleitorado do país é de extrema-direita ou conservadora. “Nem a extrema-direita tem a maioria da população brasileira, muito menos a esquerda. Na verdade, a maioria das pessoas não quer saber muito de política”, salientou. O cientista também avalia que há chances de partidos de esquerda serem eleitos em algumas cidades, contrariando as projeções que indicavam que haveria uma “avalanche bolsonarista” nas prefeituras do país. “O que está acontecendo no Brasil é um deslocamento do eixo central de poder político da esquerda do PT para o PSOL, partido que tem crescido bastante e que tem criado boas coligações, como aqui em Florianópolis”, explicou Mick. 

Mas, em Joinville, a realidade foi o outra. O PSOL Joinville decidiu não coligar com outros partidos de esquerda e preferiu lançar uma candidatura própria. A candidata que concorre pelo partido é a estudante de medicina veterinária Mayara Colzani, 27. Ela faz parte da corrente Esquerda-Marxista. O partido de Mayara, assim como ela, defende o socialismo – ideologia política que luta pela coletivização dos meios de produção e de distribuição. Para a candidata, as coligações partidárias são “expressões do mesmo jogo” e por isso não foram aceitas. “Essa defesa da Esquerda Marxista foi vitoriosa na convenção municipal do PSOL, conseguimos barrar uma frente reformista com o PT e o PCdoB”, enfatizou. Ela reconhece que estes dois partidos foram fundados por uma ampla base de operários, mas acredita que eles não representam os interesses “revolucionários” dos trabalhadores e da juventude.

“Não há espaço para os conciliadores. O povo trabalhador está farto do mais do mesmo, da política traidora das direções reformistas da esquerda, tanto dos governos do PT, quanto das atuações em sindicatos”, reforçou Colzani. 

Há quem discorde sobre a decisão do partido de não coligar com outras alas da esquerda nestas eleições, como o analista de sistemas Guilherme Luiz Weiler, 23 . Para ele, “foi um erro histórico”. O jovem concorre como vereador pela sigla e faz parte da corrente Primavera Socialista. Em maio, Guilherme lançou uma pré-candidatura para concorrer como prefeito pelo PSOL. Mas, por decisões coletivas, decidiu retirá-la e concorrer a uma cadeira do Legislativo. “Numa cidade como Joinville, é muito difícil pulverizar a esquerda quando não há nenhuma candidatura que se coloque como destaque para ir ao segundo turno”, analisou. O candidato acredita que para a esquerda ter chances de chegar ao segundo turno, seria necessário que ela se unisse.

Guilherme explica que, historicamente, o PSOL não tem o hábito de fazer coligações. Pois, o partido nasceu para ser uma alternativa, inclusive do PT — o PSOL foi criado em 2004 após dissidência entre membros do PT. Contudo, Weiler avalia que neste momento as coligações seriam necessárias devido à ascensão do autoritarismo no país. “A gente tinha a oportunidade de se juntar e fazer um projeto grande e amplo para as pessoas de Joinville, e a gente não fez. A história vai nos cobrar, isso é um fato”, disse. 

Mesmo assim, o candidato acredita que há espaço para a esquerda em Joinville, na medida em que ela for se “reinventando” e se “descobrindo” como uma ala que deve dialogar com as reais necessidades do povo.

“Para nós, ser de esquerda significa defender uma sociedade mais justa, mais igualitária. Defender uma sociedade socialista”, explica Francisco De Assis, 58 – atual presidente do PT Joinville e candidato a prefeito – ao definir o Partido dos Trabalhadores. De acordo com Assis, entre os partidos de esquerda da cidade, o que mais tentou fazer coligação foi o PT Joinville. “Como presidente do PT, eu procurei o PCdoB — que está conosco —, o Partido Democrático Trabalhista (PDT), o Partido Socialista Brasileiro (PSB) e o PSOL para formar uma aliança. Eles não nos procuraram”, afirmou. Ele avalia que se todos os partidos de esquerda estivessem juntos, as chances de vencer as eleições deste ano seriam muito maiores.

Esperançoso, Assis considera que o partido dele tem grandes chances de ir para o segundo turno devido ao próprio bolsonarismo. “Eu posso te garantir que dos quinze (candidatos que concorrem à prefeitura), pelo menos 7 ou 8 defendem o Bolsonaro. Mas vai ter a nossa candidatura, a do PSOL e a do PSTU que terão coragem de dizer que são contra o Bolsonaro”, reiterou Assis. O candidato acredita que isso irá fragmentar votos, dando chances ao Partido dos Trabalhadores de chegar ao segundo turno. Além disso, a história do partido, o tempo de televisão e o corpo partidário, segundo ele, também influenciarão.
Além do mais, Assis diz que o partido tem conseguido dialogar com eleitores que votaram no Bolsonaro, mas se arrependeram, e com pessoas mais conservadoras. “Dentro da nossa nominada tem vários candidatos evangélicos que estão concorrendo como vereador. Isso já é um bom sinal”, disse.

Se alguns candidatos e partidos se colocam na esquerda, outros preferem ficar em cima do muro. Um exemplo é James Schroeder, do PDT. Tradicionalmente, o PDT é alinhado às ideologias trabalhistas e ao socialismo-democrático. Por isso, é considerado de esquerda. Foram mandadas perguntas ao candidato por meio da assessoria, para saber o posicionamento e avaliação dele. Mas elas não foram respondidas até a publicação desta reportagem.  Segundo a assessoria, a agenda da política está bem corrida. “A gente até conversou (assessoria e James), mas como as perguntas tem um cunho bastante ideológico é algo delicado de responder. A gente não está discutindo ideologia, governo do país. A gente quer falar de Joinville, de projeto para a cidade. Não é o nosso objetivo entrar nessa seara”, ressaltou o assessor de campanha de James.

De acordo com a historiadora e professora Valdete Daufemback, será muito difícil algum partido de esquerda vencer as eleições municipais, deste ano, em Joinville. Para ela, a esquerda — tradicionalmente ligada a questões mais sociais e populares — nunca teve força no Brasil, pois o país nunca perdeu a característica de colonizado. “Temos a vontade de sermos governados por uma única pessoa. O Brasil não conseguiu não se efetivar numa democracia, pois as pessoas não têm a disposição de participar. Elas têm a disposição de esperar que alguém lhe conceda direitos”, explicou.  

Além disso, a professora avalia que não há história de partidos de esquerda no Brasil, com exceção do Partido Comunista Brasileiro (PCB), fundado em 1922. Por muito anos, o “Partidão” ficou na ilegalidade. Principalmente durante o período da ditadura militar. As coisas mudaram após o período de redemocratização. Novos partidos de esquerda foram criados, como o Partido Democrático Trabalhista (PDT) e o Partido dos Trabalhadores (PT).

Criado na década de 80, o PT ampliou a visibilidade da esquerda no país, principalmente por causa da luta sindicalista, que contou com o apoio das Comunidades Eclesiais de Base — ala progressista da igreja católica e luterana — e fez com que muitos partidos saíssem da clandestinidade, como é o caso do PCB. Para muitos, o PT não é de esquerda, devido às coligações feitas com outros partidos mais à direita durante os governos Lula e Dilma. Daufemback o considera de esquerda, pois, segundo ela, o partido está preocupado com luta dos trabalhadores, justiça social e políticas públicas. “Tivemos grandes avanços? Tivemos. Mas os partidos de esquerda ficaram por muito tempo na resistência. E quando um deles assumiu, foi preciso fazer o jogo do poder”, complementou. Da mesma forma aconteceu em Joinville, quando o ex-prefeito Carlito Merss, do PT, assumiu a prefeitura da cidade. O vice de Carlito era Ingo Butzke, do Partido da República (PR), hoje conhecido como Partido Liberal (PL). O PL é de ideologia conservadora e pautado pelo liberalismo econômico. Sendo de direita. Relacionamentos como esse fazem a esquerda perder força, segundo Valdete. 

Na avaliação da historiadora, a esquerda joinvilense até poderia ter chances de vencer as eleições caso houvesse a unificação dos partidos. Uma espécie de frente ampla. Mas — devido aos atritos partidários — isso não aconteceu. Cada partido decidiu ficar no próprio quadrado.

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