Roça e engenho da Família Gelsleuchter
Angelina, Santa Catarina
O sítio da família Gelsleuchter, ou mais conhecido em Angelina como o engenho do seu Celso e a Dona Catarina, fica localizado em uma paisagem idílica no meio da serra catarinense. Uma rua de chão divide a propriedade ao meio. De um lado, plantações de cana de açúcar e um barracão com vagens de feijão penduradas nas paredes para secar. Do outro, uma casa estilo alemã com janelas verdes e três cachorros que correm para nos receber. Por trás deles, a Dona Catarina com um sorriso maternal nos recebe e sentimos que chegamos em nossa casa. Uma das atrações principais deste lugar é o engenho com roda de água, um dos poucos que ainda resistem no Estado.
No meu caso, a minha atração foi a possibilidade de ficar dois dias no sítio para experimentar o processo completo da elaboração da farinha de guerra, vivendo a rotina da família.
Celso e Catarina ministraram em 2012 um workshop sobre a farinha de mandioca durante o Terra Madre, encontro do Movimento Slow Food de Turim, na Itália.
Dona Catarina e seu Celso nos levam para conhecer o sítio e  caminhando, entre palavra e palavra, aproveitam para capinar os cultivos.
A tradição da família na produção da farinha artesanal de mandioca é mantida viva por Celso e Catarina e recentemente com a colaboração do Kiko (filho mais novo) e a Raizza(nora). Uma grande 
parte das peças de madeira do engenho foram confeccionadas manualmente por Celso. Com seu sorriso contagiante me conta a história do dia em que decidiu criar tudo isso ele sozinho. ”Na verdade queria fazer tudo pagando um marceneiro, mas comecei aos poucos, e quando quis ver já 
estava quase pronto”, conta Celso. 
No início do processo, depois de coletada, a raiz é colocada dentro do ralador. Uma peça circular 
de madeira que rota com a força das engrenagens de madeira, puxados pela roda de água. Raizza e
Dona Catarina complementam o trabalho de raspagem manualmente.
No mesmo dia em que a mandioca é ralada e lavada, ela é cevada até ficar como uma massa úmida e depois colocada na prensa para tirar a manipueira (líquido tóxico extraído da mandioca, mas que também é um adubo orgânico em potencial).
Massa da mandioca na prensa.
Os tempos em um sítio são diferentes. Vão dormir quando o sol se põe e acordam quando o sol ainda 
não nasceu, mas o céu já está claro. O tempo parece passar mais devagar e essa desaceleração faz a gente se sentir melhor. Compartilhar uma janta ou um café com as pessoas resulta mais prazeroso, mesmo que exista cansaço pelo trabalho físico diário.
Às 4h30 combinamos de nos encontrar no barracão do engenho. Foi uma manhã muito fria, mas Seu Celso parecia não estar passando frio com a sua blusa de meia estação. Ele acendeu o fogo do forno e tudo começou a esquentar.
Kiko ceva novamente a massa seca e fica pronta para colocar no forno.
A farinha vai mudando de tonalidade e textura assim que vai sendo torrada. Da mesma forma, o 
ambiente vai se transformando. No início, o vapor toma conta do lugar quando a massa umida toca o forno. A paleta começa a misturar e o vapor começa a diminuir. Assim que o vapor diminui, o 
ambiente começa a ficar coberto por um pó fino que cai como neve.
A força da água na roda movimenta as engrenagens do engenho de farinha de mandioca. Apenas um 
pequeno arroio de água é desviado do rio principal para cair sobre as aspas da roda e continuar 
seu curso natural. A particularidade do barulho do engrenagem de madeira combinado com o barulho 
da água e o pó branco criam uma paisagem sensorial que fala não só de uma produção de farinha, mas 
sim de uma vida poética e ancestral da qual sentimos saudades sem ter sido parte dela.
A poética continua quando a farinha começa a secar e está próxima do ponto. Sua textura é quase 
como talco, um pouquinho mais grosso. E tudo acontece tão rápido que não tem tempo para descuidos.
Seu Celso verifica o ponto de torra da farinha ainda quente. A subjetividade do “ponto pronto”  é
o ingrediente segreto do farinheiro.
Seu Celso e dona Catarina retiram do forno a farinha que acaba de ficar pronta. A paleta do forno pára e se deixa farinha nos lados para adicionar ao forno assim que se retirar a pronta.
Sua forma de falar, sua atenção, seu respeito para a diversidade, seu sorriso.
"Vamos ter um futuro onde as mulheres lideram o caminho para fazer a paz com a terra ou não vamos 
ter um futuro humano em tudo", Vandana Shiva.
Os silêncios, os sorrisos, o olhar, o caminhar.
Assim que a farinha diminui a sua temperatura, é peneirada novamente para retirar os grumos que servem de café da manhã para as galinhas. Nada se perde.
“Todo mundo tem fome. Se não é de feijão e farinha, é de amor”, Criolo.
Família Gelsleuchter
Published:

Família Gelsleuchter

Published:

Creative Fields